domingo, 8 de maio de 2011

NIETZSCHE E O ZARATUSTRA...

POR QUE ZARATUSTRA?


 



Zaratustra ou Zoroastro, fundador da religião persa, foi um profeta ariano que por volta de 600 a.C. pregou a existência do Bem e do Mal como entidades distintas e totalmente antagônicas (até então a crença geral era de que o mesmo deus era capaz de uma coisa, como a outra). É o autor dos Gäthäs, cinco hinos que formam a mais antiga e sagrada parte do Avesta, o livro santo do zoroastrismo. Nietzsche tomou conhecimento dele provavelmente por intermédio da obra de um erudito da época, inspirando-se então naquela fantástica personalidade.



O motivo de um ateu assumido como Nietzsche ter lançado mão de um carismático líder religioso do passado, fazendo-o veículo da sua mensagem, deve-se a que o pensador alemão racionalmente e intelectualmente deixara de ser cristão, mas psicologicamente e emocionalmente ainda seguiu tendo a mente de um crente. Afinal, Nietzsche era filho de um pastor luterano. O que igualmente explica o tom de sermão da sua prosa, carregada de parábolas, simbolismos e imagens litúrgicas e locais sagrados, presentes na maioria dos capítulos do "Assim falou Zaratustra". A escolha também tratou-se de uma provocação, pois o Zaratustra ficcional dele retornou a cena exatamente para desfazer o que o real profeta ariano fizera há mais de dois mil e quinhentos anos passados, isto é, instituir a idéia do Bem e do Mal.



O Anticristo




Zaratustra é pois um Anticristo. Ele não veio do deserto como Jesus Cristo, mas sim desceu do alto da montanha, do fundo da caverna, como viu Platão os filósofos emergirem em busca do sol, em busca da vida. Não se dirige aos pobres, ao humildes, aos doentes, aos perdidos e aos fracos, muito menos lhes promete o Reino dos Céus. Seu público é outro. É o dos vencedores, dos afirmadores da vida, os que querem viver o aqui e o agora, tendo a Terra como seu único reino. Arenga aos que desprezam! Desceu à planície para anular o cristianismo.



A sua meta é atingir uma parte especifica da humanidade, os homens superiores (höheren Menschen), a quem Cristo ignorou. Zaratustra é sim um Cristo da elite, pois Nietzsche escreveu o evangelho do super-homem - o que anuncia um novo tempo, uma era em que Deus morreu (dass Gott tot ist!), na qual o Homem se apressa para assumir o poder na totalidade, na qual terá que arcar com as conseqüências morais e éticas de um mundo sem Deus.



Para tanto, ele, o super-homem, operará a transvaloração. Tudo o que o cristianismo estigmatizara - o orgulho, o egoísmo, a riqueza, a vontade de poder, a sensualidade e a nobreza de espírito - deverá voltar a modelar e inspirar a humanidade. A resignação, a docilidade e o servilismo, por sua volta, serão sucedidos pela ação, pela inconformidade e pelo domínio - A lamúria do resignado, cederá lugar ao grito do forte!



Os próprios símbolos que cercam Zaratustra, a águia e a serpente (meinen Adler und meine Schlange), antigas metáforas zoológicas do orgulho, da arrogância e da astúcia, contrapõem-se às do cordeiro e do peixe - os favoritos de Cristo - ícones da mansidão, da quietude e da simplicidade. Se Cristo pregou o Sermão da Montanha para os pobres de espirito, Zaratustra lança sua isca para alçar os destemidos. O seu é um Evangelho dos Fortes. Sua mensagem não é para todos, é para poucos.



Viver perigosamente




"Ich seht nach oben, wenn ihr nach Erhebung verlangt. Und ich sehe hinab, weil ich erhoben bin. Wer von euch kann zugleich lachen und erhoben sein? Wer auf den höchsten Bergen steigt, der lacht über alle Trauer-Spiele und Trauer-Ernste."



"Olhais para o alto quando aspirais elevar-vos. Eu, como já encontro-me acima, olho para baixo/ Quem entre vocês pode estar acima e ao mesmo tempo gargalhar? Aquele que escalou o mais elevado dos montes, ri-se de todas as tristezas encenadas da vida." - Zaratustra - da leitura e da escrita



Enquanto Zaratustra pregava na ágora, a atenção da multidão desviou-se para o alto onde estava um equilibrista numa frágil corda. Um outro, um rival, afobando-se, terminou por precipitar-se no chão, estatelando-se agonizante bem perto do profeta. O desastrado homem, no seu estertor, acredita que agora o diabo o arrastará para o inferno. Confortando-o, Zaratustra diz-lhe: "Amigo - palavra de honra que tudo isso não existe, não há diabo nem inferno. Sua alma ainda há de morrer mais rápido do que seu corpo: nada tema". Quando o trapezista caído ainda se lamenta pela vida que levou "recebendo pancadas e passando fome", o profeta consolou-o respondendo: "Não, você fez do perigo sua profissão, coisa que não é para ser desprezada"( du hast aus der Gefahr deinen Beruf gemacht). Dito isso ele mesmo trata de sepultá-lo com suas próprias mãos.



A cena do profeta tendo em seus braços um morto, é a "pietá" de Nietzsche. Este é o modelo de homem do profeta, o que compete, o corajosos que arrisca, o que diariamente vive na corda bamba, e que morre por isso mesmo, por levar uma vida perigosa (ein gefährliches leben).



Os companheiros de Zaratustra




Como o povo (Volke) não lhe deu ouvidos, Zaratustra, resmungando "que me interessam a praça pública, o populacho e as orelhas cumpridas do populacho?", concluiu então que precisava de companheiros (Gefährten): os "que desejam seguir a si mesmos, para onde quer que eu vá". Afinal ele viera "para separar muitos do rebanho". Que tipo de companhia quer o profeta? Justamente os que "os bons e justos" mais odeiam - o que lhes despedaça os valores, o infrator, o destruidor - porque é esse o criador.



Não são os negligentes nem os retardados que o seguirão, mas sim os inventivos, os que colhem e se divertem, os solitários e todos aqueles unidos pela solidão, interessados em escutar coisas inauditas - a marcha do profeta será a marcha deles. Assim é que sua oração dirige-se para os que estão atacados pela "Grande Náusea"(der grossen Ekel), o tédio de quem vive numa época em que o antigo deus morreu, mas que não existe ainda nenhum outro novo deus. Zaratustra veio para afastar deles a sombra dos deuses antigos que ainda escondem-se atrás das nuvens do presente. Veio para mostrar-lhes a verdadeira face da natureza, chegou par torná-la humana, para desmagizá-la.



O que irritava sobremodo o profeta era o último homem (letzter Mensch), um teimoso, "inabalável como um pulga", que, segundo Heidegger, não queria "se desfazer da sua depreciável maneira de ser". Ao insistir em viver de acordo com os valores desaparecidos, em prender-se a um ídolo que já se fora, esse cabeça-dura continuava a freqüentar o santuário do deus caído em ruínas. Ali, nada mais achando nele, o estulto agachava-se, arrastava-se no pó, em meio aos cacos, atrás das cobras e dos sapos para adorá-los.

 

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